domingo, 13 de março de 2011

Que aflição...

Se é verdade que não temo o parto (até este ponto)...por outro lado há outra aflição que me é constante e quero acreditar (para me sentir mais normal) que seja uma preocupação comum a todas as pré-mamãs, um filho prematuro...
“Não estava preparada para ter um filho prematuro. Ver que a minha gravidez de seis meses tinha ficado por ali e que o Rodrigo lutava para sobreviver era uma realidade demasiado dura. Impedida de desempenhar em pleno o meu novo papel de mãe, deixei-me espantar com o que a medicina e a o destino tinham previsto para ele. Do tamanho de uma régua e com o peso de um pacote de arroz. Lembro-me de fazer esta comparação quando, pela primeira vez, entrei na Unidade de Cuidados Especiais ao Recém-Nascido (UCERN) para conhecer o meu filho Rodrigo. Obrigado a nascer às 27 semanas de gestação por força de um irmão gémeo, também rapaz, que já não se estava a sentir bem na minha barriga e acabou por não sobreviver, o Rodrigo veio ao Mundo de cesariana, numa altura em que na minha cabeça ainda fazia planos para me inscrever nas aulas de preparação para o parto. A partir desse momento, começaram os meus medos e as minhas dúvidas. Perceber como é que um bebé tão pequenino e «inacabado» iria sobreviver era a questão que me consumia. Pior. Como mãe, ver que o meu filho dependia mais de máquinas, médicos e medicamentos do que de mim era uma realidade avassaladora. Não poder pegar nele, levá-lo para casa ou dar-lhe maminha faziam de mim uma mãe em part-time. (…) Mas se na ala da Neonatologia me sentia muito triste, pior estava na cama do hospital. À minha volta, as colegas de quarto passavam o tempo a mimar os seus bebés, a mudar-lhes as fraldas e a adormecerem a olhar para eles num berço a seu lado. (…). E recordo-me de não conseguir conter as lágrimas quando numa manhã uma enfermeira despachada e sorridente irrompeu pelo quarto e anunciou: «Vamos lá dar o primeiro banho aos vossos bebés mamãs». Mergulhada num choque inicial e na angústia de saber se o Rodrigo iria sobreviver, a minha primeira reacção foi tentar perceber o que tinha acontecido em casos semelhantes. E então passava horas a olhar para as paredes do corredor que me levavam ao meu filho, onde estavam afixadas fotografias de vários bebés prematuros com o ‘antes’ e o ‘depois’. Dava-me imensa força perceber que podiam ficar crianças normais. (…) Só passado quase um mês desde o nascimento consegui entender que tinha de me entregar de outra forma ao Rodrigo. Falhei quase todos aqueles momentos que se põem nos álbuns dos bebés, como o primeiro banho, a queda do cordão umbilical ou a primeira mudança de fralda, mas tinha de conseguir apoiá-lo de outra maneira, transmitindo-lhe energias positivas. Mas não era fácil. As horas que passava junto à incubadora eram medonhas. Tinha muito medo de mexer no Rodrigo, por ser tão frágil e por ter muitos fios que eu via como amarras que o seguravam à vida. Só ao fim de 13 dias de vida conseguiu chegar a um quilo de peso. O meu coração disparava a qualquer apito mais forte de uma das muitas máquinas a que estava ligado. Quando as “sirenes” tocavam, olhava para as enfermeiras como quem olha para as hospedeiras quando o avião começa a abanar. Da primeira vez que me perguntaram se queria pegar no Rodrigo, fazendo o colo canguru (pôr o bebé sob o nosso peito em contacto pele com pele) hesitei muito. Tanto que fiquei envergonhada com a possibilidade da enfermeira fazer maus juízos, perante o meu silêncio prolongado. Fi-lo, mas as minhas angústias continuavam a imperar e a verdade é que nunca consegui desfrutar em pleno do momento do canguru. Qualquer instabilidade do Rodrigo me fazia aflição e então preferia que ele ficasse sossegado na incubadora, sem grandes interacções. A evolução era lenta e estava a exigir de mim muita força e resistência. Devido à sua imaturidade, a parte respiratória era a mais complicada de estabilizar. (…) Assim, a primeira coisa que fazia ao chegar ao corredor de acesso à sala onde ele estava, era olhar para a incubadora para ver se tinha alguma máquina nova ligada; de seguida, via a ficha onde todos os dias os médicos escreviam, entre outras coisas, o peso. Vivia obcecada com isso. Tanto, que nos dias em que ele perdia 30 ou 50 gramas, saía do hospital a chorar e devastada. Quando o Rodrigo voltou a atingir um quilo (ele nasceu com 1,070 kg e baixou até aos 845 gr.) fui a uma papelaria comprar-lhe um postal de parabéns para colocar junto à incubadora. Na papelaria, a funcionária tentava ajudar-me: «Para que idade?». E eu, visivelmente feliz e orgulhosa com aquela meta, respondi: «É para um quilo!». (…) Ao fim de trinta longos dias nos cuidados intensivos, e apenas ligado à máquina das apneias, o Rodrigo passou para os Cuidados Intermédios. Uma mudança que para nós, pais, foi uma verdadeira vitória, daquelas com direito a jantar para comemorar. Por essa altura, a minha relação com o Rodrigo estava substancialmente diferente. Já lhe mudava as fraldas, dava-lhe o banho, o biberão, os colos eram mais prolongados e até já bebia o meu leite directamente da mama, sem ser por sonda ou biberão. No segundo mês de vida a recuperação foi incrível e a aproximação do dia em que finalmente poderia levá-lo para casa deixava-me cada vez mais nervosa. Os seus 38 centímetros e os dois quilos de peso faziam dele um bebé ainda muito frágil. (…) O grande dia chegou dois meses depois de ele ter nascido. Sessenta dias depois de ter dado à luz, ia poder finalmente apagar da memória a minha solitária saída da maternidade, sem barriga e sem bebé. Apesar de todas as inseguranças, eu e o pai do Rodrigo abandonámos emocionados o hospital – de onde tínhamos feito residência nos últimos meses –, com a sensação de que levávamos na alcofa um bebé com super poderes. Um bebé que na sua luta para crescer nos fez crescer a nós, enquanto pais.
O Rodrigo está actualmente com 15 meses, tem 77 centímetros, pesa nove quilos e faz orgulhosamente parte da já motivante lista de bebés de 27 semanas que sobreviveram sem sequelas."


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